GT do Prefácio

Se for ler, leia com tempo sobrando, pois é meio longo, porém vale a pena. Vocês vão entender o título no final.
>séc 2002
>18 anos
>vida monótona
>moro com meu irmão mais velho
>meus pais são do interior e vim morar com ele pra estudar e agora trabalhar
>não sei com o quê ele trabalha exatamente
>algo a ver com uma agência de turismo
>ele tá sempre ocupado e a gnt não conversa muito
>o nome dele é Miguel
>e é basicamente a única pessoa que eu conheço na cidade
>aliás meu nome é Júlio
>não tive amigos na escola
>estudar em uma escola onde a maioria é branca torna as coisas mais difíceis
>e também não tenho amigos no trabalho
>voltando pra casa já vejo o deprimente prédio cinza
>onde eu tenho que chamar de lar
>é um bairro podre
>não errei é podre mesmo, embora também seja pobre
>não chega a ser favela mas não tava longe disso
>e não falo isso só por causa das pessoas rudes e mal encaradas
>o cheiro do mercado de peixe em meio ao sol quente misturado com o suor de dezenas de trabalhadores torna o ar pútrido
>não entendo porque tinha que morar aqui
>o interior é bem mais agradável
>o ar era puro e eu sentia prazer em morar lá
>aqui só vejo pessoas cansadas e arrogantes
>meu irmão é basicamente o único morador do prédio com bom aspecto
>sempre bem vestido
>nem parecia pertencer aquele lugar
>ele é 7 anos mais velho que eu
>e ele nunca quis que eu viesse morar com ele
>mas meus pais insistiram
>ele falou que eu ia ter que me virar, que não ia ser babá de ninguém
>e cumpriu
>eu mal o vejo e tudo o que faço
>é cuidar da minha própria vida
>todo o dia eu saia do trabalho as 6
>nesse dia não foi diferente
>entro no prédio
>lotado de gente como sempre
>fila pro elevador
>vou pelas escadas mesmo
>era meio sinistro
>até assassinato já tinha rolado ali
>cada corredor tinha uma história mais sinistra que a outra
>a cada lance de escadas parecia que ia aparecer o Jason e cravar a peixera em mim
>chego no meu andar
>vou pro meu apartamento
>giro a chave
>e não acreditei no que vi
>não sabia se entrava ou saía correndo
>tava tudo revirado e espalhado pelo chão
>gavetas, peças de roupa, livros, almofadas
>jogaram a televisão no chão
>entrei e abri a porta do quarto
>mais bagunça
>o que caralhos aconteceu ali?
>as roupa das camas estavam enroladas e jogadas num canto
>os colchões fora de lugar
>os dois criados-mudos sem as gavetas
>as cortinas arrancadas
>na cozinha a geladeira tava aberta e suas prateleiras soltas
>até o compartimento das verduras o filho de quenga revirou
>fui pro banheiro e tambem tinham vasculhado tudo
>voltei pra sala e sentei no sofá
>tava muito nervoso e assustado
>ladrao filho da puta
>mas que tipo de ladrao só revira e não leva nada?
>quem entrou tava procurando algo
>porque nem a televisão levou
>pensei em ligar pro meu irmão
>mas nem sabi onde ele trabalhava
>era uma agencia de turismo ou algo do tipo
>ele geralmente chegava muito tarde e as vezes só no outro dia
>foda se vou ligar pra policía
>quando vou pegar o telefone
>ele toca
>gelei
>ninguém nunca ligava
>atendo
>uma voz meio rouca de mulher pergunta
>é o júlio?
>eu não conhecia nenhuma garota na cidade
>respondo
>é ele sim, quer falar com o Miguel?
>não, com você mesmo, sei que ele não tá aí
>sabe como?
>não importa, só preciso saber se você tá bem
>não muito
>o que aconteceu? fala depressa, eu estou num orelhão
>nem sabia porque deveria confiar, mas contei sobre o apartamento
>você avisou a policía?
>ainda não
>não avise, você precisa sair daí agora
>não, eu tenho que esperar meu irmão
>ele não vai voltar, me escuta, sai daí agora e me encontra na praça da igreja que tem aí perto
>mas como eu vou saber quem é você?
>ela já tinha desligado
>eu fiquei nervoso, não sabia quem era e nem o que fazer
>como ela sabia do meu irmão? E porque eu tinha que sair do apartamento?
>o telefone toca de novo
>atendo mas não falo nada
>do outro lado, silêncio
>tudo o que ouvia era uma respiração forte
>desligam
>quem ligou, só queria saber se tinha alguém em casa
>saio correndo de lá o mais rápido possível
>já do lado de fora do prédio
>enquanto caminho pro metrô
>de longe vejo um cara enorme de óculos escuros entrando no prédio
>parecia um gorila de tão forte
>acho que era ele que tinha ligado da última vez
>ou talvez seja meu medo falando
>eu precisava sair de lá rápido
>vejo um taxi e chamo ele
>peço pra ele me levar pra praça
>cê tá bem garoto?
>tô sim, só meio cansado
>a viagem não dura 5 minutos
>pago e me sento no primeiro banco que vejo
>tinha várias mulheres na praça
>como eu ia saber quem era ela?
>10 minutos e nada
>não sabia o que fazer se ela não aparecesse
>ir na policía? Voltar pra casa?
>nada parecia viável
>de repente uma mão toca meu ombro
>oi, me chamo Ruth
>como me reconheceu?
>não importa, você foi seguido?
>não que eu saiba
>então vem
>pra onde?
>pro metrô, vamos ver seu irmão
>você sabe onde ele tá?
>acho que sei
>sigo ela
>descendo as escadas do metrô um velhinho cai
>vou ajudar
>ela me puxa e fala que a gnt tá com pressa
>mas o que tá acontecendo de tão urgente assim?
>seu irmão vai te explicar
>paramos no guichê pra comprar o ticket
>enquanto ela conversa com a atendente eu começo a analisar ela
>ela devia ser namorada do meu irmão
>mas ele nunca a tinha mencionado
>tinha um cabelo castanho cacheado com mechas loiras
>pele morena
>vestia um jeans surrado e um all star cano longo
>uma camisa preta com uma jaqueta jeans
>ela compra os bilhetes e seguimos caminho
>ela me pergunta se além dela alguém ligou pro apartamento
>digo que sim e saí correndo depois disso
>ela diz que fiz bem
o trem chega e entramos
>assim que sentamos pergunto pra ela como me reconheceu
>seu irmão mostrou uma foto sua, não foi tão dificíl
>você sabe quem revirou o apartamento?
>não exatamente
>por que não levaram nada?
>porque não eram ladrões comuns
>eles procuravam algo?
>sim, mas não acharam
>como você sabe?
>porque está com você
>como assim comigo?
>pensei e lembrei
>meu irmão há alguns dias me deu uma agenda e me disse pra guardar
>não entendi o porquê
>mas ele falou pra sempre levar comigo porque não confiava na moça da limpeza
>eu guardar pra você?Por quê?
>ele disse que sempre perdia e eu podia fazer esse favor pra ele
>aliás se liga nesse uso correto dos porque's
>voltando pro presente
>coloquei a mão no bolso, ela ainda tava lá
>você está falando da caderneta?
>ela mandou eu não tirar do bolso
>quer ficar com ela pra você?
>tá mais segura com você
>mas o que tem nessa merda de tão importante?
>o que tem numa agenda normal, nomes e endereços
>então é só essa agenda que procuravam? Sério?
>fala baixo por favor
>é ou não?
>não posso te contar tudo ainda, tudo o que você precisa saber é que eu tô salvando sua vida
>salvando de que caralho?
>calma tudo vai acabar bem
>vi que aquela conversa não ia me levar a lugar nenhum
>mudei de assunto
>você é a namorada do Miguel?
>o que você acha?
>acho que é
>você é irmão dele, deve saber melhor que eu
>na verdade desde que ele mudou pra cá eu vi ele poucas vezes, mesmo morando junto eu quase não vejo ele e sei pouco sobre a vida dele
>isso é normal, também sei pouco sobre a vida do minha irmã, ela é freira
>ela levanta
>é nossa estação, vamos descer
>saímos e fomos andando
>de inicío ela foi na frente
>como se não estivessemos juntos
>mas assim que afastamos da estação ela me esperou
>entramos em um prédio amarelo de três andares
>ela morava no últio
>o apartamento dela era bem ajeitado
>uma luz roxa iluminava o ambiente
>vários poster's colados na parede
>parecia uma festa dos anos 80
>abro um pouco a cortina pra olhar pra fora, já estava tudo escuro
>era cerca de 19:30
>aceita uma bebida?
>não, obrigado
>ela ri
>seu irmão nunca recusa, achei que fosse igual a ele, bem, eu vou querer, não sou de ferro
>dava pra ver que ela tava nervosa
>pergunto se o Miguel vai chegar logo
>ela diz que já devia ter chegado
>quem são essas pessoas que estão atrás dele e do caderno?
>o pior tipo de gente, contrabandeiam, sequestram, matam
>e por que querem tanto a agenda?
>porque o que tá escrito aí pode fuder todo mundo
>e como o Miguel conseguiu essas informações?
>pergunta pra ele
>ela termina de beber e enche o copo de novo
>então, Miguel vai vir ou não?
>se ele não chegar logo a gnt vai ter que vazar
>nesse instante o telefone toca
>ela atende
>sim ele está bem, cadê você?
>entendi, o que devemos fazer então?
>certo
>pergunto se era o Miguel
>era
>eu queria falar com ele, onde ele está?
>ele não falou, provavelmente alguém tava na cola dele, a gente tem que ir
>ela vê a cortina meio aberta
>droga garoto
>ela fecha e apaga a luz
>vamos embora, eles podem estar vindo pra cá
>por que não entregamos a agenda a policía e acabamos com isso de vez?
>porque não
>eu não vou morrer por causa dessa merda sem saber o porquê
>porque seu irmão também tá afundado ate a cabeça nessa merda
>...
>...
>pera, ele também é dessa bando?
>era
>como assim era?
>ele era tipo o cobrador, resolveu dar uma de esperto e pegou uma bolada de dinheiro e a agenda, agora eles tão atrás dele pra ele não fugir com a grana e a agenda, nela tá anotada informações sobre todas as ramificações do grupo
>agora vamos antes que cheguem
>pra onde?
>pra rodoviária
>saímos correndo de lá
>quando cheguamos a esquina olho pra trás
>um carro preto tinha acabado de parar e dele saiu o homem alto que parecia um gorila
>Ruth, olha, é aquele cara que eu vi mais cedo
>você deu sorte, não é todo mundo que escapa do Giovanni duas vezes no mesmo dia
>quem é ele?
>só um dos maiores criminosos do país
>20:00
>chegamos na rodoviaria
>lá dentro ela começa a andar pelos corredores
>de repente para em frente uma sala escrita bagagens
>entramos
>era uma sala cheia de armários
>ela para em frente um com o número 121
>é aqui
>guardou alguma coisa aí?
>foi o Miguel que guardou
>ela abre e tira uma sacola grande e redonda
>com a foto do Popeye estampada nos dois lados
>o que tem aí? Espinafre?
>verdinhas, 500 mil dólares
>de quem é esse dinheiro?
>do seu irmão, ou seu se matarem ele
>isso é dinheiro de tráfico?
>não, é dinheiro que ele roubou de traficantes
>era muita informação pra um dia só
>nem parecia mas só faziam duas horas desde que cheguei em casa
>você vai levar esse dinheiro pra ele?
>vou tentar
>como assim tentar?
>primeiro eu tenho que saber onde ele tá
>e como a gnt vai achar ele?
>eu sei de alguns lugares que ele pode ter ido ou deixado um recado, vamos procurar
>e depois disso?
>eu entrego o dinheiro, você a caderneta e ele some
>e eu?
>volta pro interior
>e você? Eles sabem onde você mora
>se o Miguel deixar, eu vou com ele. Passei minha vida num orfanato, não tenho pra onde ir.
>sinto muito
>não sinta, acho que antes do amanhecer a gnt resolve tudo
>continuamos andando
>pergunto quem mais sabia do dinheiro
>só o Miguel e e..
>ela nem termina a frase e atravessa a rua correndo parando um taxi
>entra e faz sinal pra eu ir depressa
>entro e pergunto o que aconteceu
>ela fala o lugar pro taxista e ele sai vazado
>pergunto o que aconteceu
>acho que a gnt foi seguido
>pelo gorilão lá?
>não, uma mulher ruiva
>vc a conhece?
>vi ela uma vez, é da quadrilha
>como ela sabia onde a gnt tava? será que ela sabia que o dinheiro tava guardado na rodoviária?
>acho que o bando só tá vigiando as principais saídas da cidade
>ela pediu pro taxi parar
>descemos em frente a um beco entre dois prédios
>ela entra no beco e eu sigo ela
>tinha uma entrada lateral
>ela bate na porta e uma mulher gorda abre
>quem é esse aí? Ela diz apontando pra mim
>amigo do Miguel, viemos esperar ele aqui
>ele não tem vindo ultimamente estamos abastecidos
>mas ele vem Rita, tem algum lugar que podemos esperar?
>ela deixa a gnt entrar e sentamos no sofá da sala
>todo o ambiente exalava um cheiro de mofo
>a gorda pergunta o que vamos querer
>erva ou pó?
>nada a gnt só vai esperar o Miguel
>ela não gostou muito da resposta
>aquilo era uma boca não um ponto de encontro
>Ruth pergunta se ela conhece um tal de Giovani
>um grandão forte? Aquele cara me dá medo.
>ele vem aqui as vezes?
>quase nunca, Miguel faz negócios com ele? Melhor ficar esperto, aquele cara já matou muita gente
>a velha diz indo rumo a outro comodo
>assim que ficamos sozinhos pergunto a Ruth onde estamos
>eles chamam esse lugar de pensão
>tá mais pra boca de fumo
>mas também é uma pensão pra disfarçar, quer comer algo?
>não, meu irmão é criminoso, ainda tô tentando digerir isso
>o importante é a gente sair vivo dessa
>e você também é envolvida com tudo isso?
>não, apenas namoro um traficante, eu trabalho fazendo cenários pra teatro é minha vocação
>ela continua contando
>no orfanato eu já desenhava, montávamos espetáculos
>uma vez apareceu um repórter por lá, viu meu trabalho, gostou e disse que eu iria longe nem queira saber como isso me subiu à cabeça
>logo depois fugi do orfanato com uma pasta de desenhos, mas não encontrei mais o tal cara, tive ficar na rua
>pera, você foi menina de rua?
>era o jeito, dormi muito em bancos de jardins, portas de igreja e debaixo de viadutos
>a noite é que se sabe como esta cidade é fria e perigosa, mais de uma vez quase fui estuprada
>meu primeiro emprego foi como bilheteira de um teatro e faxineira durante o dia, me deixavam dormir num camarim
>eu gostava do silêncio do teatro vazio. Aí conheci um velho cenógrafo argentino e mostrei a ele meus desenhos do orfanato, o coroa achou que eu
tinha jeito e me fez sua assistente, aprendi muita coisa com ele
>e depois?
>eu conheci o Miguel
>e ele te contou o que fazia?
>não, e nem desconfiei, ele me impressionou muito
>uma menina de rua saindo com um cara cheio da grana e com um tremendo carrão, pra mim ele era um príncipe encantado
>conhece a história da Gata Borralheira? Eu gostava dos restaurantes que ele me levava, um mais chique que o outro
>me deu roupas, eu que só tinha uma blusa
>olha esse anel, é de brilhante, presente dele
>e como você descobriu tudo?
>ele me contou, confiou em mim e precisou de mim algumas vezes
>e a tal agência de turismo?
>é só pra lavar o dinheiro em dólares
>por que ele decidiu roubar os traficantes?
>quer saber mesmo? vou contar
>a gnt tava num show de rock que teve na cidade
>no fim do show a gnt tava bebendo e conversando como sempre fazia
>ele me disse que queria largar a profissão
>parabéns, resolveu criar juízo
>não exatamente, to com um plano, os caras vão receber meio milhão do tráfico, vou passar a mão no dinheiro e sumir
>você tá doido, eles vão te procurar até no inferno e te matar
>não exatamente
>no tráfico a vida é curta, ou morre pela policía ou na mão dos aliado
>mas tem uma cota de cara que roubou a quadrilha e ficou suave
>pq a quadrilha acabou sendo pega
>do jeito que eu tô, logo os porco me pega
>não to afim de apodrecer na cadeia
>vou pegar a grana e sumir
>só volto quando esses cara tiver morto ou preso
>e eu? não pensou em mim?
>você pode ir comigo, vai dar tudo certo
>ao visto não deu tudo certo
>não mesmo, descobriram tudo antes dele sumir, tem certeza que não tá com fome?
>não
>pois eu tô, me espera aí
>ela sai e vai em direção a cozinha
>enquanto ela sai fico olhando pra sacola
>valia a pena arriscar a vida por dinheiro?
>nem parecia o irmão com  quem vivi na infância
>muita coisa mudou depois que ele veio pra cá
>de repente ouço passos
>Ruth aparece aflita
>é a policía, pega a sacola e vamos
>saímos correndo pros fundos da pensão
>vejo várias pessoas correndo, se escondendo nos quartos
>passamos pelo banheiro e um cara tava dando descarga desesperadamente
>ia entupir o vaso de tanta droga que ele tava jogando lá
>de repente ouço o barulho da porta caindo
>POLICÍA TODO MUNDO NO CHÃO
>entramos em uma porta que dava pro quintal
>corre, vamos pular o muro
>ta doida? é muito alto
>vem comigo
>puxei ela pro braço e nos abaixamos atrás de uma pilha de lixo
>quintal bem porco aliás
>tava escuro, com sorte não iam nos ver
>vejo de relance os pés de um policial passando pela porta
>acho que tem alguém por aqui
>onde acende a luz dessa merda
>ele começa a dar passos em direção a gente
>um pouco mais perto e ele ia nos ver
>PEREIRA CORRE AQUI TEM UM FILHO DA PUTA ESCONDIDO NO BANHEIRO
>ele recua e volta pra dentro da pensão
>SAI AGORA OU A GENTE ARROMBA NO TIRO
>o cara sai do banheiro e toma um tapa na nuca
>algemado e levado pra junto dos outros
>esse era o último?
>acho que era, dá uma olhada no quintal
>já dei, tá limpo
>nessa hora eles vão indo cada vez mais pro interior da casa
>não tinha jeito
>tinha que pular o muro
>faço sinal pra Ruth
>corremos e com o impulso agarramos no muro
>enquanto corríamos um policial nos viu
>ruth pula
>policial atira
>eu que ainda tava no muro
>tomo de raspão no braço
>consigo terminar de pular
>caio com tudo do outro lado
>sem muito tempo pra sentir dor
>corremos sem rumo
>pra onde vamos?
>bem, tem um lugar
>depois da pensão, acho que é pra lá que o Miguel iria
>corremos como se não houvesse amanhã
>duas quadras depois eu estava morto de cansaço
>vamos parar por favor
>não agora, tem um táxi ali
>corremos até ele e entramos
>pra onde o casal vai?
>ela toma frente
>não somos um casal, segue pro Centro que de lá eu te oriento
>tudo bem bravinha
>ele vira pra mim e pergunta se tá tudo bem
>claro, por quê?
>porque seu braço tá sangrando
>olho e vejo meu braço encharcado de sangue
>o sangue quente não me deixou perceber
>que o tiro não foi de raspão
>ainda bem que eu estava carregando a bolsa com a outra mão
>uma hora dessa eu já teria deixado cair
>não se preoucupa Júlio, já vamos cuidar disso
>ela orienta o taxista e ele para em frente um casão
>aliás puta casa, tava mais pra mansão
>descemos e ela toca o interfone
>tô com um balão furado
>a porta abre
>entramos e de pé vejo uma das minas mais gatas que já vi
>devia ter cerca de uns vinte e cinco anos
>senti até uma falta dea ar
>não sei se era o tiro ou aqueles cabelos loiros
>é esse aqui, tomou um tiro no braço
>quem é ele?
>irmão do Miguel
>traz ele pra dentro
>eu consigo ir sozi...
>nem termino de falar
>minha vista embaça
>e eu desmaio
>acordo com uma luz forte no meu olho
>eu morri?
>ninguém morre com um tiro no braço
>era a loira
>então porque tem um anjo do meu lado?
>ela sorri e fica vermelha
>para de palhaçada kk
>onde eu tô?
>na minha casa, ou melhor, da minha mãe
>ela era a médica do pessoal
>mas agora que formei, a maior parte do trabalho fica pra mim
>você conhece meu irmão?
>conheço, ele quem traz os pagamentos
>e você sabe onde ele tá?
>por hora não, mas ele não viria pra cá se é isso que está pensando
>achei que o encontraria aqui
>não precisa ficar preoucupado, mas vocês não podem ficar aqui muito tempo
>por que não?
>já te remendei, você vai ficar meio zonzo por causa da morfina um tempo mas tá bem
>mas por que aqui não é seguro?
>porque é o "hospital" da quadrilha, se algum deles vier pra cá não vai ser bom
>meu sangue gela
>Ruth nos levou pra território inimigo
>ela é muito inconsequente
>me levanto, ainda meio zonzo
>hora de eu ir
>toma cuidado, espero que o Miguel esteja bem
>por que nos ajudou se trabalha pra quadrilha?
>trabalho por dinheiro, e também, Miguel é um bom amigo
>agradeço pela ajuda
>nessa hora entra uma criança de uns 4 anos no quarto
>uma menininha idêntica a loira
>mamãe?
>filha, você devia tá dormindo, são 3 horas da manhã
>ela pega a criança no colo
>a loira olha pra mim
>ela percebe minha cara de espanto
>vem, te acompanho até a saída
>sigo ela
>na varanda vejo ruth e um cara me esperando
>o cara era alto e forte
>fudeu, é o Giovanni
>eles se viram
>não era
>grazadeus
>o cara parecia ter uns 20 anos, mas a massa muscular dele era absurda
>olha quem acordou
>oie, o que aconteceu?
>você desmaiou e o Barbosa te carregou pra dentro
>o grandão estende a mão e me cumprimenta
>parecia até um cara gente boa
>pra onde vamos agora?
>rezar
>como assim?
>só vem, você vai ver
>ela se vira em direção ao portão
>Barbosa a segura pelo braço
>Ruth, deixa eu ir com vocês, devo essa ao Miguel
>é arriscado, tem certeza?
>tenho
>então vamos
>me despeço da loira
>antes de sai viro pra trás e perunto
>desculpa mas, você nem me falou seu nome
>ela me olha com uma cara incrédula
>você é corajoso garoto, quem sabe da próxima eu te falo
>da uma risada meiga
>o rosto dela fica corado
>ela se vira e vai pra dentro da casa
>saímos e assim que o portão se fecha
>Barbosa e Ruth começam a rir
>tá apaixonado pela doutora? kkkkk
>não, eu só perguntei o nome
>sei kkk
>Barbosa atravessa a rua e entra num carro
>seguimos ele
>o céu chorava
>entramos no carro
>o som da chuva de certa forma me confortava e dizia que tudo ia acabar bem
>assim que entramos ele vira pra trás
>olha, as coisas podem ficar meio difíceis agora
>Giovanni e a Ruiva tão de olho em todos os lugares
>não se preocupe, ninguém sabe da igreja
>tudo bem, mas vamos nos prevenir
>ele abre o porta luvas e tira dois revólvers
>toma, um pra cada um
>ele nos entrega
>mas e o seu?
>ele levanta a blusa, tô sempre com o meu kk
>da um sorriso e arranca o carro
>durante a viagem pergunto se a doutora é casada
>eles riem de novo
>depois diz que não tá interessado
>ainda não, mas vai em breve com o filho do Alencar
>o vice?
>ele mesmo
>putz, mas e a filha?
>é de um cara aleatório, ela nunca disse
>estávamos lá
>depois de uns 15 minutos chegamos
>entramos
>não sei o porquê uma igreja estava aberta essa hora
>um padre veio nos receber
>sujeito novo
>uns 30 anos
>ele abraça Ruth e aperta a mão de Barbosa com um sorriso
>já faz muito tempo amigos
>e você, bem eu não conheço, prazer, sou o Padre Lucas
>sou Júlio, irmão do Miguel
>e onde ele está?
>Ruth toma frente
>esperávamos que ele estivesse aqui
>é o último lugar seguro
>claro minha querida, vem comigo
>seguimos ele até uma salinha nos fundos
>podemos esperar ele aqui
>alguém mais sabe desse lugar?
>só o Miguel, desde que saí da quadrilha ninguém sabe meu paradeiro
>como você conhece meu irmão?
>de quando eu era traficante, mas bem, não estou mais nessa vida
>por que virou padre?
>a consciência pesa um dia, saí sem dizer nada pra ninguém
>seu irmão me achou por acaso
>não posso sair daqui, nem a policía nem a quadrilha podem me pegar
>não se preocupem, estão seguros aqui
>vou terminar de preparar o altar para a missa do galo
>volto logo
>ele sai
>um padre ex traficante?
>para de julgar, ele realmente mudou
>não estou julgando
>comemos alguns pães que estavam sobre a mesa e ficamos conversando
>o padre ta demorando
>vamos lá ver
>assim que vou sair pela porta me deparo com uma arma apontada pra minha cara
>pra trás, melhor ficar bem paradinho, todos vocês
>era uma mulher, ruiva, a mesma que Ruth tinha falado
>olá Ruth, Barbosa
>olá Rebeca
>recuo e encosto na parede
>ela se vira pra Barbosa
>sério docinho? O time dos traidores?
>Miguel é meu amigo não podia deixar ele na mão
>ele é um traíra, roubou nosso dinheiro e fugiu
>ele se cala
>não dava pra negar que era verdade
>onde tá o dinheiro e a agenda?
>ela vê a bolsa do Popeye e aponta pra mim
>anda, passa pra cá
>pego a bolsa e jogo em direção a ela
>muito bem, e a agenda?
>primeiro, cadê o Lucas?
>o desertor? Digamos que ele foi fazer uma viagem
>como assim?
>foi direto pro reino dos céus, alguém cortou a garganta dele enquanto orava kk
>filha da puta
>ela aponta pra Ruth e fica de lado pra mim
>olha a boquinha querida ou vai visitar ele rapi...
>empurro ela com força contra a parede
>ela solta a arma e Ruth pega
>da uma coronhada na cabeça dela
>ela desmaia e saímos correndo
>ao passar pelo altar vemos o padre ainda de joelhos com sangue em todo o chão
>parecia ser um cara bom, não merecia morrer desse jeito
>tomem cuidado, ele pode não está sozinha
>corremos em direção a porta
>assim que chegamos na porta da igreja um carro preto para com tudo
>Giovanni já desce atirando com mais quatro caras
>corremos de volta pra dentro
>vamos pra trás do altar
>os caras sobrem as escadas e assim que chegam já começamos a atirar
>eles vão se escondendo atrás dos bancos e atiram
>farpas de madeira voando pra todo lado
>Barbosa levanta e acerta um na cabeça
>toma um de raspão no braço e abaixa de novo
>atiro e consigo acertar um no peito
>não sei se morreu mas caiu
>Ruth mata um mas as balas acabam
>tomamos no cu
>eles se levantam e começam a avançar
>agora fudeu
>levantem as mãos e saiam devagar
>obedecemos
>ele olha pra Barbosa
>escolheu o lado errado meu colega
>o dinheiro deve está nessa bolsa
>ele diz apontando pra sacola do Popeye
>mas cadê a agenda
>ninguém responde
>vocês devem achar que eu tô de brincadeira
>vou provar que não
>ele atira na barriga de Ruth
>ela cai
>o próximo vai ser na cabeça
>eu sabia que era questão de tempo até a polícia aparecer
>diversos tiros na madrugada iam chamar muita atenção
>se eu tivesse mais tempo
>eu vou atirar digam onde está agora
>já chega, vou matar vocês e procurar no cadáver
>ele aponta pra cabeça de Ruth
>o sangue respinga na cara dele
>mas que porra é essa
>ele olha pro lado e vê o seu comparsa caindo lentamente no chão
>antes de qualquer reação
>o último tiro da noite fora disparado
>ele cai
>todos aqueles músculos não podiam parar uma bala
>ele vê o padre e se lamenta
>merda, era um cara tão bom, vocês estão bem?
>nem tanto, ele acertou a Ruth
>droga
>ele corre em direção a ela
>segura em sua mão e a abraça
>amor, me escuta, vai ficar tudo bem, eu tô aqui
>Miguel? Você se atrasou meu bem
>me desculpa, fiz o melhor que pude pra te encontrar
>no fim nós sempre nos achamos, estamos juntos até o fim meu amor
>até o fim
>ele a beija
>Júlio, me desculpe por isso também, mas agora que tô aqui tudo vai terminar bem
>agora já é tarde, mas esquece isso, temos que fugir, a polícia deve tá vindo
>vão checar a saída, eu levo a Ruth
>pego a sacola de dinheiro e sigo pra entrada junto com o Barbosa enquanto Miguel ajuda Ruth a se levantar
>a rua tá limpa
>viro pra trás pra avisar
>Miguel, cuidado
>tarde demais
>os cabelos de fogo refletiam o inferno como se o próprio satanás viesse buscar a alma do meu irmão
>a ruiva acerta uma facada bem nas costas do meu irmão
>ele e a Ruth caem
>tudo acontece tão devagar
>corremos em direção a eles
>enquanto caem a ruiva continua a esfaquea-los
>uma
>duas
>três vezes
>por mais que corríamos
>parecia que a igreja não tinha fim
>quatro
>cinco
>seis
>Barbosa a empurra e ela cai
>ele chuta sua cabeça e ela desmaia
>dessa vez não piranha
>ele pisa com força e quebra o pescoço da vadia
>corremos até Miguel
>ele me olha com os olhos tristes
>mas ainda vivos
>Miguel, não se preocupa, vamos te levar pra doutora
>não, pra mim já era, a policía tá chegando, vão embora
>eu não vou sair daqui sem voce irmão
>olha pro lado cara, a Ruth morreu, eu fiz tudo isso por ela
>lágrimas caem do seu rosto
>se eu fiz tudo isso foi por nós, queria dar uma vida digna pra ela
>eu tô todo furado, não vou durar muito, me deixa aqui
>quero ao menos morrer em paz ao lado do meu amor
>ele olha pra estátua de jesus no centro do altar
>só espero que eu vá pro mesmo lugar que ela
>ele sorri
>e foi o último sorriso do meu irmão
>fecho os olhos dele e deixo cair umas lágrimas
>ouvimos sirenes de longe
>Barbosa olha pra mim
>vamos não tempos tempo
>as sirenes vão ficando mais altas
>corremos pro carro e saímos
>o dia já estava quase amanhecendo
>Barbosa para o carro no acostamento
>a vista do lugar era boa
>estrada deserta
>vejo o sol nascendo
>o amarelo iluminando todo o carro
>sabe, Miguel era um grande amigo pra mim
>como um irmão, e agora ele se foi
>pode contar comigo pro que precisar, eu devo isso a ele
>olho pro rosto dele
>a luz do sol refletia em suas lágrimas
>pelo visto o grandão tem sentimentos
>não me contive também
>era meu irmão que se fora
>por mais que fossemos distantes, ainda era meu irmão
>cara, eu nem sei o que fazer com essa grana e maldita agenda agora
>eu tenho uma ideia
>o que é?
>os chefes estão mortos, toda a gangue vai se separar sem um líder
>tá doido? me envolver com a gangue que matou meu irmão?
>os chefes mataram seu irmão, o resto só segue ordens
>é tudo que fazem, são desesperados por um líder
>eu não sou um líder cara, essa noite toda a Ruth que tomou frente
>mas pode se tornar, eu vou tá junto com você irmão, por que der e vier
>você acha mesmo que isso pode dar certo?
>arriscaria minha vida nisso
>...
>...
>duas semanas depois
>comecei a entrar em contato com os números da agenda
>avisando que estavámos sobre nova direção
>Barbosa foi fazendo a coleta do dinheiro no lugar do Miguel
>vendo os nomes vejo um interessante
>Marcela
>será?
>resolvo ligar
>Marcela?
>a voz doce do outro lado era inconfundível
>parece que você descobriu meu nome no fim
>sinto muito pelo seu irmão
>todos sentimos, posso passar aí pra conversar com você?
>claro, mas teremos companhia
>seu noivo?
>minha filha, quero que a conheça melhor
>chegando lá a vejo linda como sempre
>sem mistérios dessa vez
>sua filha era uma gracinha, Letícia seu nome
>ela tinha os olhos da mãe
>conversamos o dia todo sobre várias coisas
>uma hora toquei no assunto
>você vai mesmo se casar?
>vou, mas não o amo, é algo arranjado pela minha mãe
>você não precisa fazer isso se não quiser
>infelizmente eu tenho
>ele não vai te tocar se você não quiser, eu o mato se fizer isso
>docinho, ele já sabe disso, sei me cuidar sozinha
>ela ficava cada vez mais atraente
>aquela foi uma das melhores noites da minha vida
>no outro dia de volta ao trabalho ligo pro ultimo nome da agenda
>pb
>um cara com voz grossa atende
>Giovanni?
>Júlio, nova gerência
>cadê o Giovanni?
>morto
>silêncio do outro lado
>ainda tá aí?
>estou, mas se tenho um novo chefe quero vê-lo pessoalmente
>onde posso te encontrar?
>ele me passa o endereço dentro de uma favela
>ligo pro Barbosa e explico tudo pra ele
>vou pra favela
>chego no endereço
>era um terreno baldio
>cercado por madeirite e telha
>tinha uma telha quebrada
>provavelmente a entrada
>entro e vejo um gordão estilo big smoke
>então é isso? Giovanni tá morto?
>sim, eu tô no comando agora
>garoto, você nem tem idade pra isso, os outros já viram você?
>já
>e te aceitaram?
>sim
>escuta, eu não ligo pra quem esteja no comando, desde que a droga e a grana continue entrando
>e vai
>então tudo certo
>saímos juntos do terreno
>um moleque de uns 10 anos vem cumprimentar o pb
>eae chefe, tudo certo?
>viro pro pb
>você recruta crianças?
>não é uma criança, é um soldado
>não vou me intrometer em como ele lida com as coisas
>mas no impulso viro pro moleque e pergunto
>aí pivete, qual seu nome?
>meu nome é Carlos
>mas todo mundo me chama de Rasta




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